06/10/2010

A CURA DA LEPRA PELA FÉ E A ERRADICAÇÃO DA HANSENÍASE -


28º DOMINGO DO TEMPO COMUM
Reflexão por: Frei Jacir de Freitas Farias, ofm ( Cf. Vida Pastoral)

I. INTRODUÇÃO GERAL
As leituras de hoje nos chamam a atenção para o fato de a doença ser uma condição humana que nos desafia e nos leva a procurar ajuda em Deus. O que nos dizem as leituras? Quando tudo parece perdido, eis que surge um profeta que cura um estrangeiro acometido pela lepra. Nessa mesma condição, estão dez outros homens, os quais procuram por Jesus, o grande médico das almas e dos corpos, aquele que foi enviado por Deus para salvar a todos. Como nas leituras do domingo passado, estamos diante de testemunhos de pessoas de fé no Deus de Israel e em Jesus.


A doença dos personagens da primeira leitura e do evangelho é chamada de lepra. Atualmente se usa o termo hanseníase, por não ser tão estigmatizado como lepra e leproso. A hanseníase é uma doença transmissível causada por uma bactéria chamada Mycobacterium leprae, daí também o nome lepra. O nome hanseníase foi dado em homenagem ao descobridor da bactéria, Gerhard Hansen.

A doença já era conhecida muito antes de Jesus. O livro do Levítico dedica dois capítulos à lepra, o treze e o quatorze, mostrando as incidências sobre o seu portador e a comunidade de Israel. Sem conhecer bem a origem da doença, a mesma é identificada como impureza e o seu portador, como impuro, sendo o mesmo afastado da vida social. Essa orientação motivou a segregação de hansenianos nos chamados leprosários. A lepra era um castigo dado por Deus (2Cr 26, 16-23).

O Brasil é o segundo país no mundo com maior incidência de hanseníase. Em países desenvolvidos, essa doença já foi erradicada. O governo brasileiro possibilita o diagnóstico e tratamento gratuito, mas até o momento não avançou no sentido da erradicação. Vejamos em que as leituras de hoje nos iluminam sobre essas questões acerca da hanseníase.

II. COMENTÁRIOS DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (2Rs 5,14-17): Naamã, o estrangeiro, é curado da lepra e professa a fé no Deus de Israel: A primeira leitura trata de um relato muito conhecido no Primeiro Testamento, a cura de um estrangeiro, Naamã, pelo profeta Eliseu.

Discípulo de Elias, Eliseu superou o mestre em número de milagres. Sua biografia é legendária (1Rs 19,19-21; 2Rs 2–9). Eliseu foi o líder de um movimento político-religioso pró-reforma da monarquia. O profeta Eliseu atuou aproximadamente nos anos 852 a 783 a.E.C., no Reino do Norte, Israel, nas dinastias de Jorão, Jeú, Joás e Joacaz. Eliseu denunciou os pecados de idolatria da “Casa de Acab” (2Rs 9,1-10), o rei de Israel, Jorão (2Rs 3,13), e a inveja de seu servo Giezi (2Rs 5,20-27). As propostas religiosas e políticas de Eliseu foram: o povo deveria creditar que o Senhor é o Deus verdadeiro de Israel (2Rs 5,1-19); a monarquia devia ser reformada por meio de uma revolução (1Rs 19,15-17; 2Rs 9,1-37); Jéu, filho de Nansi, deveria ser ungido rei de Israel, no lugar de Jorão, filho de Acab (2Rs 9); a descendência de Acab e sua esposa Jezabel (2Rs 10) deveriam ser extintos de Israel; o culto a Baal (2Rs 10,28) deveria ser eliminado de Israel. Eliseu tinha esperança de que, mudando o governo, a situação melhoraria. O movimento liderado por Eliseu, chamado de “Filhos de Profetas”, nasceu na dinastia de Omri. Juntos, eles conseguiram destronar a dinastia de Acab, eliminar o culto a Baal e devolver a esperança ao povo. Eliseu, em um determinado tempo, foi bem-visto pelo rei arameu, da Síria, Ben-Hadad (2Rs 6,8-17; 8,7-15). Nesse contexto é que devemos entender os fatos relatados na segunda leitura de Reis.

Naamã, nome hebraico que significa “a divindade é amável”, era um general conceituado do rei da Síria, por ter dado vitórias ao seu povo. Na sua casa, ele tinha uma serva israelita. Foi essa mulher que o aconselhou a procurar o profeta Eliseu para solicitar a cura de sua doença, possivelmente uma lepra ou doença de pele. Ele fala com seu rei, que o aconselha a tomar consigo dez talentos de prata, seis mil siclos de ouro e dez vestes de gala. Naamã parte. O rei de Israel o recebe e fica nervoso com a proposta do rei da Síria, justificando que isso seria um pretexto contra ele, pois ele, não sendo deus, não teria o poder de dar vida e morte (2Rs 5,1-7). O profeta Eliseu, tendo sabido do fato, pede que Naamã venha até ele. Contrariando o desejo de Naamã, Eliseu não o recebe. Ele manda ordens pelo seu mensageiro para que Naamã deva se banhar sete vezes no rio Jordão para ser curado. Sete, na visão bíblica, é o número da perfeição, o encontro do divino, representado pelo três, com o terreno, o quatro. Naamã resiste em cumprir a ordem, mas acaba sendo convencido pelos seus servos (2Rs 5,8-13). Naamã fora curado pelas águas de Israel. Ele voltou para agradecer ao profeta e oferecer-lhe presentes pela cura, os quais Eliseu não aceita para ensinar que o Deus de Israel não deve ser pago pelos seus atos benéficos.

Naamã disse ao profeta Eliseu: “Agora sei que não há Deus em toda a terra a não ser em Israel” (v. 15). Naamã pede a Eliseu que lhe conceda levar terra de Israel para o seu país, de modo que pudesse cultuar o deus de Israel, Javé, no seu país, onde a terra estava impura pelos cultos a ídolos. A declaração de fé de Naamã e o seu pedido é o objetivo principal da narrativa: mostrar que o Deus de Israel é o único verdadeiro e que mora em Israel, não na Síria, terra de Naamã.

Naamã fica extremamente grato pela cura da lepra. Eliseu lhe pede para realizar um rito de cura. Naamã é um estrangeiro. O que tem a ver tudo isso com o evangelho? Vejamos.

2. Evangelho (Lc 17,11-19): samaritano, o leproso estrangeiro, curado pela fé, louva a Deus
O contexto da lepra/hanseníase no evangelho de hoje é regido pelas leis de Israel (Lv 13,45-46). O leproso deveria usar vestes rasgadas, ter cabelos desgrenhados, ter o bigode coberto e clamar: Impuro! Impuro! Enquanto estivesse com a doença, deveria morar em lugar separado, conviver com outros impuros, como os samaritanos, mas não com os puros da cidade. Quando alguém era curado de lepra, ele deveria se apresentar ao sacerdote (Lv 14). Os parentes do leproso deveriam chorar por ele, pois a lepra era considerada um castigo de Deus.

Com essa explicação, já podemos citar alguns detalhes do texto: a) os leprosos se encontram com Jesus quando ele estava para entrar num povoado, o lugar dos puros; b) eles estão em número de dez, o que relembra o decálogo, que faz do judeu um verdadeiro seguidor de Deus; c) somente um samaritano, isto é, um estrangeiro, é que volta para agradecer; d) Jesus cumpre a Lei, pedindo-lhe que fosse se apresentar ao sacerdote.

Assim como Naamã, os leprosos são chamados a passar por um rito. O primeiro é lavar-se nas águas do Jordão, como vimos acima, o segundo consiste em ir aos sacerdotes. Todas essas atitudes querem provar se a fé na palavra do profeta e de Jesus são verdadeiras. A palavra de Cristo cura. A diferença, no entanto, nos dois episódios, é que Naamã tem fé porque foi curado. O leproso samaritano, ao voltar-se logo para Jesus e agradecer-lhe, demonstrou fé na palavra e, o que é mais importante, ele mesmo teve fé. Por isso, Jesus lhe diz: “levanta-te e vai, a tua fé te salvou” (v. 19). Essa atitude de Jesus, segundo a comunidade lucana, demonstra que a fé em Jesus salva, mesmo sem o cumprimento dos ritos legais da fé judaica. E ainda tem outro detalhe: eles são curados enquanto estão a caminho. Isso quer dizer que quem se coloca no caminho de Jesus já está curado. Os outros nove, que eram judeus, se contentaram com os ritos de cura. O samaritano, o estrangeiro, manifesta a sua fé e louva a Deus pela cura recebida. Assim como na primeira leitura, a salvação está para além de Israel. Lucas sabe que a Samaria é um lugar que, em primeiro lugar, será evangelizado.

3. II leitura (2Tm 2,8-13): ter fé é viver em Cristo
O
contexto dessa leitura é o do domingo passado, em que Paulo exorta Timóteo a viver e guardar a fé. Paulo acrescenta outros dados importantes: a memória da ressurreição de Cristo; assumir os sofrimentos advindos da luta; Jesus é o messias esperado; Jesus é fiel; devemos pregar a palavra de Deus, pois ela não está algemada. E ele conclui: quem renegar a Cristo será renegado. A infidelidade humana não muda a fidelidade divina. Todos esses elementos estão recolhidos em um hino batismal e de resistência dos primeiros cristãos.

Paulo, sofrendo na prisão, sabe que é preciso resistir e manter a fé em Cristo ressuscitado que venceu a morte e nos trouxe a vida. O corpo está preso, acorrentado no cárcere de pedra, mas a palavra do evangelho vai além de tudo isso. A Palavra não pode estar aprisionada. É o que ensina Paulo e pede a todos: ter fé e viver em Cristo.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO
No evangelho, vimos que dez hansenianos se unem. Eles têm em comum a doença. Nove são judeus e um, samaritano. A miséria humana os une na luta por libertação. Os leprosos de hoje, em todos os sentidos, merecem a solidariedade. O que estamos fazendo com e por eles?

O samaritano voltou e louvou Deus pela cura. Levar a comunidade a tomar consciência da importância da oração de louvor e do colocar-se no caminho de Jesus. A terra de Israel, na compreensão de Naamã, era o lugar da manifestação de Deus. Como em nosso país estamos sendo testemunhas de Deus?

Mostrar que a hanseníase ainda não está erradicada do nosso meio. Há grupos que trabalham com esse objetivo. Trabalhar em conjunto com o poder público e a sociedade para a eliminação da hanseníase no Brasil, conscientizando a população para a importância do diagnóstico precoce e dando apoio às pessoas que estão em tratamento. Trabalhar a questão do preconceito e da erradicação da hanseníase.

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