27º DOMINGO DO TEMPO COMUM
I. INTRODUÇÃO GERAL
As leituras de hoje nos chamam a atenção para a fé. “Aumenta-nos a fé!”, disseram os apóstolos a Jesus. Por que os discípulos pedem para aumentar a fé deles? Qual é a relação entre as duas parábolas do evangelho de hoje, semente de mostarda e servo inútil, e a fé? O que é a fé? A carta aos Hebreus define fé como “firme fundamento das coisas que se esperam, uma posse antecipada, um meio de demonstrar as realidades que não se veem”. E ainda acrescenta: “foi por meio dela que os antigos deram seus testemunhos” (Hb 11,1-2).
Mesmo não tendo visto Jesus ressuscitado, eu acredito, tenho fé, certeza de que ele ressuscitou. Por isso, eu tenho fé. Não preciso manifestar fé em uma árvore, pois já sei que ela existe. Ninguém precisa me transmitir esse ensinamento. Podemos correr o risco de banalizar a fé, quando a colocamos na dimensão da incerteza. Os discípulos acreditavam nas palavras e promessas do Reino que Jesus anunciava, mas também disseram: aumenta-nos a fé.
Neste domingo, dia em que o país irá às urnas para escolher presidente, senadores, governadores e deputados, perguntemo-nos: Qual é a contribuição do cristão neste ato cívico? Temos fé em nossos políticos? As suas promessas se tornam realidades? Por enquanto, permaneçamos com essas inquietações.
II. COMENTÁRIOS DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (Hab 1,2-3; 2,2-4): a fé salva e a fidelidade me faz justo seguidor da Lei Habacuque, quem nos apresenta neste domingo uma profecia, foi um profeta realista, contestador, lamentador e esperançoso. Como Jó, ele foi o “homem da crise”. Ele atuou entre 605 e 600 a.E.C., período em que Judá viveu sob a dominação do império neobabilônico, pagando-lhe tributos. O rei Joaquim, aliado de um outro opressor, o Egito, foi colocado no trono pelo Faraó para governar Judá. A tirania de Joaquim foi tamanha que a injustiça aumentou no país. Pouco tempo depois, os babilônios, com Nabucodonosor, invadiram o país, destruíram Jerusalém e levaram as lideranças do povo para um exílio, que duraria cinco décadas, na Babilônia.
Habacuque, que num primeiro momento acreditou na reforma de Josias, percebe que não mais seria possível esperar por uma solução baseada na Lei. Ele perde a esperança na reforma deuteronomista, mas crê que Deus vencerá (2,1-3; 3,15.19). Esta descoberta lhe restituiu a esperança. Habacuque manteve-se firme nas seguintes denúncias: a não observância da Lei (1,4); os juízes corruptos (1,4); o roubo (2,9-10); a política injusta (2,12-14); a idolatria (2,18-20); os impérios egípcio (1,2) e babilônico (1,12-17); e o cinismo do conquistador (ou qualquer pessoa) que embriaga o seu próximo para lhe contemplar a nudez (2,15). A primeira leitura é um lamento do profeta pela situação do povo e um questionamento a Deus, pedindo-lhe que os ouça: “Até quando, Senhor, pedirei socorro e não ouvirás” (1,2). A resposta de Deus vem em dois momentos. Ele diz que o opressor, a Babilônia, virá para destruir o país (1,5). Esse será o castigo para o povo de Judá. O profeta Jeremias dirá o mesmo. Habacuque se assusta com essa resposta de Deus (1,12-17). E Deus novamente responde, dizendo que ele sabe o que faz e não engana (2,2-4). E acrescenta: “o justo viverá pela sua fidelidade”. Habacuque chama o povo a ter confiança na justiça humana e na força libertadora do Senhor. A salvação virá pela fé e não pela observância da Lei (2,4). É o que São Paulo, mais tarde, irá aprofundar na sua teologia da “justificação pela fé” (Rm 1,17; Gl 3,11), tendo como base esse texto de Habacuque. A tradução da Bíblia hebraica para o grego, chamada de Setenta, traduziu o termo hebraicoemunah por fé, em vez de fidelidade, como está no texto de Habacuque. Fidelidade está relacionada com o justo que segue a Torá.
Outro fator que chama a atenção no texto de Habacuque é que Deus vai castigar o povo por causa de seus governantes iníquos. Relembrar isso em dia de eleição é muito propício. Em tempos modernos, não precisamos chegar a tanto, como foi o caso de Judá. Por outro lado, se a nossa lei punisse, de fato, os políticos corruptos, com certeza, nosso país seria diferente em questões sociais. Outro dado, muitos de nossos políticos não se envergonham de manifestar em público a sua fé. Neste ano, um deles chegou a rezar agradecendo a Deus pelo dinheiro conseguido com as suas falcatruas. Ele ficou conhecido como o político da oração.
A fé que nos salva é aquela que me faz justo seguidor da justiça pregada pela Palavra de Deus. Esta sim, o resto é pura enganação. Fiquemos atentos, sobretudo para o grande mercado da fé que assola o nosso país.
2. Evangelho (Lc 17,5-10): “Senhor, aumenta a nossa fé!” No evangelho de hoje, nos encontramos todos com uma inquietante pergunta: Senhor, aumenta-nos a fé! Jesus responde com duas parábolas. Vejamo-las.
a) “A fé pode até ser do tamanho de uma semente de mostarda” (vv. 5-6). Essa passagem também pode ser lida em Mt 17,20-21; 21,21; Mc 9,24; 11,23. Os apóstolos pedem a Jesus que aumente a fé deles. A interpretação desse texto nos ensina que a fé, por menor que seja, assim como uma pequenina semente de mostarda, pode realizar maravilhas, até mesmo exigir que uma amoreira se replante no mar. Viver a fé em tempos modernos é um desafio para todos nós. Somos senhores de muitos poderes e de nós mesmos. A fé é muito mais que uma boa obra ou uma dimensão psicológica de nossa existência. Ela é um colocar em Deus, que é amor que nos redime e nos impulsiona a viver na integridade das relações. Fé não é questão de quantidade, mas de qualidade.
b) “A fé é um serviço” (vv. 7-10). Na se-quência da fé comparada à semente de mostarda, Jesus, fazendo uso de uma situação não muito peculiar aos apóstolos, a de um patrão que tem um empregado que o serve sem se perguntar o porquê de sua atitude, ensina que é simplesmente fazer o que se tem que fazer. Quem tem fé faz. Isso basta. As obras são consequências de nossa fé em Deus que tudo pode. E se Deus tudo pode, eu também posso, com a minha fé, realizar grandes obras. O serviço é uma dimensão da fé.
Amanhã, dia quatro de outubro, a Igreja faz a memória de São Francisco de Assis, o santo da paz e do bem, o defensor da ecologia e inventor do presépio. No final de sua vida, quando tanto havia feito e vivenciado a fé em Deus, com todo o ardor próprio da Idade Média, Francisco de Assis disse: “Irmãos, vamos recomeçar novamente, porque pouco ou nada fizemos”. Essa espiritualidade é a do serviço e da fraternidade universal. Por menor que seja, ela será sempre um serviço à justiça e ao bem comum, realizado de forma gratuita e não por dinheiro, como pensavam alguns.
3. II leitura (2Tm 1,6-8.13-14): Timóteo, viva a sua fé! A segunda leitura tem uma orientação clara: Paulo, apóstolo propagador da fé em Jesus, com quem ele nem mesmo convivera, mas fora um perseguidor aguerrido de seus seguidores, exorta ao seu discípulo, Timóteo, a viver a fé por causa de sua consagração a serviço da Igreja, na coordenação da comunidade. Timóteo é convocado a cooperar com os dons do Espírito Santo. Ele não pode transmitir medo, mas reavivar sempre a sua fé. O cristão deve alimentar sempre a sua fé para não desanimar. Da mesma forma, ele deve dar testemunho de Jesus Cristo e guardar o depósito da fé, eis a sua missão. Paulo também não se intimida em demonstrar com palavras as suas atitudes de fé.
Na prisão, Paulo lhe diz: “Toma por modelo as sãs palavras que de mim ouviste, com fé e com amor que está em Cristo Jesus. Guarda o bom depósito, por meio do Espírito Santo que habita em nós” (vv. 13-14). O cristão precisa ser corajoso, não olhar interesses pessoais. “Não se envergonhe de dar testemunho de nosso Senhor, nem de mim, seu prisioneiro” (v. 8), afirma, categoricamente, Paulo a Timóteo. A prisão não desmerece Paulo, pelo contrário, ela o credencia como discípulo de Cristo Jesus.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
1. Mostrar que o mundo é marcado por situações que não agradam a Deus e, tampouco, ao seu povo. Os que não creem podem até dizer que as desigualdades são normais e que Deus não existe, mas a promessa da vinda de Jesus se realizará. Os maus serão extirpados e os bons, chamados de benditos do meu Pai.
2. A igreja, por ser a aglutinação daqueles que creem, deve anunciar e propiciar o caminho da salvação para todos, lutando pela justiça social, pela paz e pela divisão fraternal dos bens. Fazer tudo isso é já ter a fé aumentada, assim como pediram os discípulos a Jesus.
3. A comunidade de fé tem um compromisso fundamental com a vida política do país. Escolher bem os governantes e, depois, cobrar deles atitudes coerentes com o prometido são o compromisso de fé que todos devemos assumir.
Fonte:
Portal PAULUS - VIDA PASTORAL