Celibato e Sexualidade. É importantíssimo salientar que, ao tratar das repercussões do celibato, há que levar em conta que o religioso não abdica de sua sexualidade, mas, sim, renuncia à expressão genital dessa sexualidade. Não há como alguém abdicar de sua sexualidade, uma vez que ela é uma característica estrutural da personalidade de cada pessoa.
Na maioria das tradições religiosas há o preceito da castidade. Esse preceito é geralmente mal entendido porque lhe é dada uma interpretação moralista, numa tentativa de excluir ou destruir a forca da sexualidade, o que não é possível. Visto que a sexualidade é inerente ao ser humano, não há como suprimi-la. O Maximo que se pode alcançar por esse caminho é a sua repressão da sexualidade, o que é danoso para o ser como um todo as alternativas existentes para lidar com a questão do celibato são, ao contrario da visão moralista, a afirmação e/ ou a transformação da sexualidade. Nesse caso, “não se trata de excluir a energia do sexo, mas de renunciar ao seu uso e à sua dissipação nas relações físicas comuns e procriadoras com indivíduos do outro sexo. Conversa-se o seu potencial, que é, contudo, destacado do plano ‘dual’ e aplicado a um plano diferente.”
Para Duffy, desde uma perspectiva espiritual, o celibato não é somente a liberdade de dedicar-se ao apostolado, mas um chamado e uma opção por relacionar-se com Deus e com outros em relações não genitais que geram vida para o sujeito e para os demais.
Segundo Evola, na principal maneira para que tal intuito se realize, o celibato não pode depender meramente de uma derivação de uma pulsão sexual, mas, sim, ter o propósito de transcender o sexo, o que é bem diferente. O resultado dessa verdadeira conversão não é a aversão puritana pelo sexo, mas, sim, a indiferença e a calma sentidas perante ele. Tal resultado não pode ser conseguido, acreditam muitos, por obediência
. Se essa é a proposta mais claramente religiosa, há que convir ser ela para poucos, como, aliás, levanta Valle:
O problema, no caso dos padres, possui uma dupla especificidade: a igreja propõe a eles um ideal de vida que supõe a castidade celibatária por causa do reino. Ora, essa proposta só tem sentido, psicologicamente falando, para quem tem um nível razoável de maturidade psicoespiritual. O nó do problema é, portanto, saber se os padres são ou não emocional, afetiva e sexualmente integrados e se a dimensão da fé se insere ou não nesse arranjo sua personalidade total.
Para muitos religiosos, essa proposta de celibato como transcendência está bastante distante da pratica de suas vidas, de modo que não raro encontramos tentativas moralistas de lidar com o celibato. Afetos reprimidos não são afetos integrados e, por causa disso, tendem a provocar sofrimento e crises ou uma vida de aparências, com praticas sexuais escusas, culposas, dissociadas. Como bem afirma Duffy, é necessária uma formação integral e um trabalho pessoal que possibilitem o desenvolvimento de uma espiritualidade integradora da afetividade e da sexualidade, para não haver uma cisão entre a oração e a conduta. Às vezes, afirma ele, ma cisão entre vida emocional e espiritualidade deriva de falta de conhecimentos sobre a própria sexualidade, percebida com temor e como tentação, o que faz a pessoa – em vez de escutar-se e discernir o que acontece em seu intimo – fugir, negar ou criticar-se duramente pelo que está sentido. Então, se isso ocorre, a formação recebida antes não permitiu a internalização dos valores e o desenvolvimento das habilidades necessárias para viver a solitude e as demandas do ministério.
Optando pelo celibato, é possível a um padre vivê-lo como uma escolha consciente e livre, fundamentada em uma religiosidade intrínseca. Isso não quer dizer que, uma vez feita essa escolha, o padre já não terá problemas com relação a tal condição. A escolha pelo celibato não é algo que se faça uma única vez, mas trabalho que se realiza durante toda uma vida. É preciso clarear a realidade de que o celibato é uma experiência difícil e cheia de tensão e que se supõe que seja difícil. Isso porque a realidade é que uma vida de castidade celibatária é inevitavelmente solitária, e essa solidão é o ponto mesmo do celibato, não um efeito secundário incômodo
. Dlugos afirma que é comum as pessoas de vida consagrada se sentirem imensamente aliviadas quando se dão conta de que a experiência de uma solidão dolorosa tem valor, sentido e propósito, em vez de ser um sinal de que são débeis, inadequados ou inaptos para o estilo de vida celibatário.
O que indica a integração ou não da sexualidade para uma pessoa é o sentido que a sexualidade ocupa em sua vida, e isso independe da pratica de relações sexuais.
A vida sexual promíscua, por exemplo, não pode ser tida como integrada, por mais relações sexuais que a pessoa tenha, da mesma forma que a vida celibatária apenas por obediência extrínseca também não pode ser tomada como integrada.
Com integração, Dlugos quer dizer o processo que permite que todos os diversos aspectos da personalidade humana funcionem juntos, sem o domínio desordenado de um sobre os outros e sem o menoscabo de algum aspecto em relação a outros. É uma afirmação existencial. Portanto, reconhecer-se como ser sexual é uma das forcas que possibilitam uma vida celibatária saudável e integrada, é um dos fundamentos da identidade sexual.
Não podemos, no entanto, deixar de provocar debates do celibato obrigatório, um debate ao qual nenhum católico pode ficar alheio.
Nas considerações acerca de sua pesquisa, Valle sugere que a questão do celibato deve ser trabalhada com mais realismo e humildade no seio de toda a igreja. E completa:
O celibato obrigatório não pode mais continuar sendo objeto de interditos extrínsecos. O debate não pode se restringir à discussão só do lado disciplinar e canônico da questão... Não é uma questão de lei. Contam aqui o carisma e a vocação pessoal. Os próprios padres precisam perceber que o essencial é se ajudar a chegar a uma maestria teologal (não a teológica!) da vivência da sua sexualidade, como ponte para uma espiritualidade que ajude o povo de Deus a viver esse dom com maior liberdade e responsabilidade.