13/04/2012

A indústria da seca - Jaime C. Patias

A luta pela água é questão de vida no semiárido nordestino.

As previsões do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE, para o Nordeste brasileiro não eram animadoras: a região seria atingida por uma grande seca, que se estenderia de 2006 a 2011. Infelizmente, elas se confirmaram, este período já terminou e dos quase 400 municípios da Bahia, 186 já decretaram estado de emergência.


Para conviver com o semiárido, padre Vidal Moratelli, missionário da Consolata que há 20 anos enfrenta a questão da água nos municípios de Jaguarari e Monte Santo, a 300 km de Salvador, BA, vê a necessidade de ultrapassar a mentalidade da dependência tanto religiosa, quanto política. "O povo da região da seca, de tanto sofrimento e derrota com a plantação e criação de animais, e enganado pelas promessas de políticos, se tornou manso - vive conformado com a situação. Isso tira a capacidade de organização e manifestação pública". O padre observa que a expressão mais usada é: "se Deus quiser, vai chover". Para ele, outro provérbio seria mais adequado: "Deus ajuda a quem se ajuda". Isso para explicar que Deus ajuda com a chuva, "mas se o povo quiser enfrentar a situação, deve usar a inteligência para desenvolver projetos e exigir seus direitos a fim de que o poder público cumpra com os seus deveres".

Hoje existem muito mais recursos do que em outras épocas, tais como a aposentadoria dos camponeses, as cisternas, o Bolsa Família, Bolsa Escola, Bolsa Safra, a energia elétrica com o Programa Luz Para Todos, entre outros. A situação é grave, mas não é mais uma tragédia como antigamente, quando muitos abandonavam o campo. Por outro lado, esses benefícios podem acomodar o povo que não exige mudanças estruturais para soluções permanentes. Especialistas afirmam que acabar com a seca é quase impossível. Então, a melhor maneira é conviver com o semiárido que tem uma média de chuvas que varia entre 300 e 750 mm ao ano.

A missão da Igreja é defender a vida
A Paróquia São João Batista, em Jaguarari, tem 80 comunidades e desde 1996, conta com a presença dos missionários e das missionárias da Consolata. Naquela região já foram perfurados centenas de poços. São dezenas de quilômetros de tubos condutores. Além disso, o Centro Cultural da paróquia já construiu mais de 800 cisternas para produção e consumo humano. A equipe missionária conta hoje com três padres e quatro irmãs. Os projetos iniciados pelo padre Vidal continuam através do Centro Cultural e da prefeitura. Para coordená-los foram criadas 45 associações locais ligadas a uma Central de Associações em Jacobina, que dá assistência técnica.

Com mais de 140 comunidades, a Paróquia Sagrado Coração de Jesus em Monte Santo é assistida pelos missionários da Consolata desde 1991. Hoje trabalham lá três padres e um diácono. Um dos objetivos da ação pastoral envolve a questão da água. Especialista em prospecção no subsolo, Moratelli é conhecido como o "padre da água". O religioso explica que a região se encontra num sistema de semiárido provocado pelo ser humano que desmatou sem controle. O processo de desertificação está num estágio em que a natureza sozinha não pode se recuperar. Mesmo que chova até 700 mm anuais o solo não retém a água. Na opinião do padre é urgente "armazenar a água nos períodos chuvosos e construir barreiros, espécie de pequenos açudes, para os animais". Sugere ainda que, em todos os povoados "o governo invista em poços artesianos e transforme a água salobra em água potável, através de aparelhos dessalinizadores, com a colaboração da comunidade. Para isso, se poderia adotar um cartão eletrônico onde cada um pagaria pela quantidade de água processada". Além disso, cada fazenda de gado deveria ter seu poço artesiano para o rebanho. "Esse investimento valorizaria a propriedade e salvaria o gado", avalia.

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Trabalho em todas as frentes
O Aquífero Tucano, segundo maior do Brasil, está a 100 km de Monte Santo. O apelo das comunidades é que o governo invista num projeto de água potável seguro e permanente como ponto de referência com adutoras para abastecer a cidade e os povoados. "Isso evitaria que a água, que é vida para o ser humano e os animais, se tornasse fonte de doença, como vem ocorrendo no momento. A água que é trazida atualmente é imprópria para o consumo", alerta padre Vidal. "A notícia sobre o número de municípios em estado de emergência parece um triunfo, ou ocasião para receber verbas milionárias, em vez de ser vista como uma vergonha pela falta de organização e interesse em evitar situações críticas que se repetem ano após ano. Enquanto uns carregam imagens para o altar do sertão, outros cá embaixo no bem público passam a mão", afirma indignado.

A eletrificação rural foi um grande acerto do governo. A energia beneficiou o campo e aqueceu o comércio. "Por que a questão da água no campo não é tratada com a mesma organização e seriedade?", questiona padre Vidal e complementa: "acontece que a seca continua sendo um trunfo para a promoção de políticos que administram carros-pipas em troca de poder. O investimento do governo aboliria o carro-pipa, o que para os políticos locais seria um péssimo negócio à indústria da seca", conclui.

Moradores da cidade corroboram essa análise. Uma fonte que prefere não se identificar, afirma que a região é um curral eleitoral de um deputado estadual que controla todos os poderes. "O deputado era apenas secretário do prefeito, gastou cinco milhões de reais na campanha e depois de eleito, continuou enriquecendo. Nos meus 64 anos, foi o primeiro empregado que vi ficar milionário", desabafa. "A seca é onde mais se ganha dinheiro. Os carros-pipas valem votos. Há um controle integrado de todos os poderes. As denúncias não são levadas adiante e quem denuncia é intimidado. A prefeitura é um cabide de empregos. Quem não é empregado lá tem algum parente e não quer perder o lugar, por isso tem medo", lamenta.

Outro destaque na luta pela água é o padre Nelson Nicolau, catarinense de Chapecó, que há 20 anos trabalha no município de Cansanção, a 35 km de Monte Santo. Para o padre "é preciso preservar a mística da água". Como resultado da conscientização nas comunidades, na década de 90 foi criada a Associação Regional Pró-Água - ARPA, que integra quatro paróquias (Queimadas, Cansanção, Nordestina e Monte Santo), na coordenação de ações em diversas frentes. Com a ajuda da Cáritas, maquinários foram comprados para a perfuração de poços. Através do poder público estadual, a ARPA recebeu uma retroescavadeira e um caminhão caçamba para a limpeza e construção de pequenas barragens. Ao mesmo tempo, conseguiram a ramificação da adutora que leva água para a cidade, para que chegasse também às comunidades rurais. "A vida está sendo ameaçada pela seca e a Igreja precisa agir para defendê-la. Por isso se envolve na luta pela água", explica padre Nelson.

Universalizar a água
A professora Maria da Glória Cardoso, coordenadora da Pastoral da Criança e membro da ARPA, avalia que "a questão da água é tratada com muita precariedade. Os políticos nunca a levaram a sério. Tudo é visto como manipulação política. Existiam projetos de construção de cisternas e máquinas para perfuração, mas estacionaram. O solo tem uma camada dura que precisa muita persistência para perfurar. Há 20 anos, com a ajuda do Banco Mundial, construíram muitas cisternas, mas foi um trabalho mal feito e a grande maioria foi destruída", recorda.

Em Monte Santo, a Comissão que agrupa a ARPA, com representantes da Igreja, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, da Articulação do Semiárido - ASA e do poder público, faz levantamento e elabora projetos, mas o trabalho anda devagar. "Anos atrás fizemos um projeto para pedir que se destinasse 3% do orçamento do município para recursos hídricos. O projeto foi aprovado na Câmara, mas na hora de elaborar o orçamento, esse item não apareceu. O povo também é muito passivo, fica esperando Deus mandar a chuva e a seca fica parecendo um sofrimento merecido", desabafa Maria da Glória.

Segundo Ana Maria Campos de Oliveira, secretária da agricultura de Monte Santo, município com 53.000 habitantes, a situação se agravou nos últimos seis meses. A estratégia da prefeitura é limpar as aguadas, perfurar e recuperar poços e distribuir cestas básicas. Para isso recebeu a ajuda do governo federal no valor de 60 mil reais. Por outro lado há muitas críticas com relação aos carros-pipas que representam a maior corrupção. No município existem 53 carros contratados e pagos pelo Exército através do governo federal que para isso investe mais de 500 mil reais por mês. Segundo informações, tem carro que chega a receber entre 12 e 17 mil reais por mês. A maioria é controlada pelos vereadores. Além disso, a água transportada não é de boa qualidade. A secretária esclarece que o preço varia entre três e dez mil reais por carro. "O valor é alto, mas a prefeitura não recebe dinheiro, tudo é feito através do Exército", comenta Ana Campos e ao mesmo tempo, reconhece as dificuldades em fiscalizar o abastecimento. Ela mesma já fez várias denúncias. "Não tenho conhecimento sobre carros-pipas de vereadores. Dizem que muitos são deles, mas não posso provar".

Ana Campos observa que no município não há mais onde se extrair água potável. Os carros-pipas deveriam trazer de Quinjigue, mas recentemente pegou amostra da água imprópria para o consumo que estava sendo levada para uma comunidade. "Já recebi até ameaças de morte por fiscalizar a água tirada de tanque do gado e levada para o consumo humano", revela.

Evaristo Rodrigues de Lima, representante da Comissão da Água trabalha em parceria com a Articulação do Semiárido - ASA, instituição não governamental que faz parcerias com dioceses e associações locais. Evaristo explica que, desde 2002 foram construídas no município, cerca de três mil cisternas de 16 mil litros cada. A previsão até 2014 é fazer outras cinco mil para universalizar a água de consumo humano. "O trabalho é feito de forma coletiva para não privilegiar apenas alguns. É um recurso para todos", destaca.

Além disso, existem ainda as cisternas de produção para a criação de animais e produção de hortaliças. "Em 2011, foram feitas 40 unidades com a capacidade de 50 mil litros cada. Nesses projetos temos o envolvimento das famílias. Isso garante a sustentação da produção de hortaliças. Eles até estão vendendo", comemora. Dona Olívia Gonçalves de Carvalho, da comunidade Fazenda Velha investiu sete mil reais numa cisterna de produção que contempla um cercado e os canteiros para o cultivo de hortaliças. "A cisterna é uma terapia, porque ao tirar a água vou tocando a bomba e movimentando o corpo, e me sinto melhor. Com as hortaliças, a gente come sem veneno. Os animais não beberam mais água suja. É uma bênção. Se cada família tivesse uma cisterna dessas!", exclama.

A vida no sertão gira em torno da água que geralmente é administrada pela mulher. Hoje o povo percebe que é importante ter uma cisterna ao alcance para garantir a boa qualidade da água e consequentemente, da vida. A água ao lado da casa evita longas caminhadas e alivia o trabalho da mulher que dedica mais tempo para os filhos e para a própria casa. Os poços asseguram as famílias na roça e as cisternas produtivas possibilitam uma pequena horta familiar. Com isso verifica-se uma diminuição das doenças nas crianças e idosos.

Fonte: Revista Missões

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