Quantos brasileiros sabem exatamente o que é uma fecundação assistida? Quantos estudantes de medicina e médicos são capazes de informar a um casal estéril sobre o valor ético da recente resolução do Conselho Federal de Medicina a respeito das novas regras sobre o uso dessa técnica avançada de fecundação?
A resolução do Conselho Federal de Medicina atualiza uma anterior do ano 1992 e estabelece uma série de orientações sobre a fertilização artificial, com o intuito de tentar regularizar melhor a utilização dessa tecnologia nos Centros de Reprodução Assistida no Brasil. Há muitos pontos positivos nessa decisão e alguns aspectos que mereceriam maior debate e reflexão da sociedade.
É muito positivo, por exemplo, o limite de finalidade, isto é, a determinação de que a técnica pode ser utilizada apenas para transmitir a vida e não para clonagem ou experiências com seres humanos. Igualmente valiosa é a proibição da redução embrionária, que configuraria aborto diretamente procurado e, portanto, totalmente ilícito.
Um tema da maior importância que não recebeu no documento a devida atenção diz respeito ao número de embriões transferidos para o útero materno. Seria importante aqui considerar a tendência ética que vem predominando em alguns países europeus, tal como a Alemanha, onde se aprovou recentemente uma lei federal que só permite a fecundação, em cada processo, de dois óvulos, que devem necessariamente ser transferidos para o corpo da mulher que quer ser mãe, impedindo assim a existência de embriões congelados.
É muito significativo que um país que permitiu legalmente, no seu passado histórico recente, a existência de campos de concentração com câmaras de gás, não queira mais na atualidade ter em suas cidades nenhuma câmara de congelamento de embriões.
No Brasil se está estudando um projeto de lei sobre fecundação assistida que procurará defender a dignidade da pessoa humana desde a sua concepção, impedindo tanto o aborto direto quanto o congelamento de embriões que sobram das tentativas de geração de filhos. Nesse projeto também se determina um número máximo de óvulos fecundados, não mais que dois, com a imediata e total transferência para o corpo materno, acabando dessa forma com qualquer possibilidade de haver pessoas em tubos de nitrogênio a baixas temperaturas e passíveis de experiências no futuro, caso não sejam mais queridas pelos seus pais.
É muito louvável que os políticos brasileiros estejam assumindo essa atitude de proteção de todos os cidadãos brasileiros desde a sua concepção e queiram que eles, uma vez concebidos, se desenvolvam naquele ambiente mais acolhedor e amoroso, que é o corpo materno, e não num recanto de laboratórios de clínicas de fertilidade humana. E é de lamentar que o Conselho Federal de Medicina não tenha assumido o pioneirismo nessa questão.
A mídia ao dar a notícia sobre a resolução que estamos considerando informou também que casais gay poderiam agora satisfazer seus anseios de paternidade e maternidade. O desejo de ter filhos em geral é moralmente bom, mas para esses casais apresenta-se uma questão ética complexa do ponto de vista da geração. Necessariamente eles terão que contar com doadores anônimos e estranhos a sua relação homoafetiva, e seus filhos terão só o conhecimento de 50% da sua filiação.
Ora, toda geração tem que corresponder à dignidade da pessoa humana, o que não é possível com o desconhecimento legalmente provocado da plena verdade sobre quem são os pais. A relação social fundamental - a relação paterno-filial- tem de fundamentar toda estrutura das demais relações humanas na sociedade. A hipótese aventada pela mídia é claramente incompatível com essa tese e com aquela dignidade e não parece uma decorrência necessária da resolução, embora convenha, de fato, estar alertas, para acompanhar a interpretação que prevalecerá.
É bom observar também que o desconhecimento de quem são os autênticos progenitores não é só causado pela técnica da fecundação assistida heteróloga, mas também por outras formas indignas de transmissão da vida (estupro, prostituição, etc.), e certamente elas são a causa de desenvolvimentos psico-sociais inadequados para nossas crianças.
A pessoa humana, desde a sua concepção até a sua morte natural, tem o direito fundamental à vida digna, segundo leis próprias da sua natureza, desenvolvendo-se corporal e biograficamente a partir de relacionamentos essenciais sadios, como são a filiação, a fraternidade e a amizade no seio familiar, levando assim adiante o seu projeto de humanidade.
As questões levantadas no início do artigo têm respostas bem mais precisas se houver uma reflexão mais profunda sobre o valor do desenvolvimento científico e tecnológico, que ao colocar nas mãos do homem um grande poder de decisão e de ação acaba exigindo-nos outra pergunta.
Nesse sentido o Papa Bento XVI, na sua recente entrevista publicada com o título a "Luz do mundo", conduz-nos a essa interrogação ao dizer que "a modernidade procurou a própria estrada guiada pela ideia de progresso. Mas o que é o progresso? Hoje vemos que o progresso pode ser destrutivo, por isso devemos refletir sobre os critérios a serem adotados a fim de que o progresso seja verdadeiramente progresso".
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Dom Antonio Augusto Dias Duarte, bispo auxiliar da Arquidiocese do Rio de Janeiro e médico formado pela USP.
Fonte: ZENIT
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“On Death and Dying“
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