Introdução.
A controvérsia pelagiana surgiu por volta de 411 ou 412 em Cartago. Celestius, discípulo de Pelágio, tentava ser nomeado presbítero em Cartago. Paulino o denunciou com a acusação de que ele ensinava que o batismo de infantes não objetivava a purificação do pecado. Em sua vez, Pelágio ensinava “que Adão foi feito mortal e teria morrido se tivesse ou não pecado – que o pecado de Adão só trouxe prejuízo a ele mesmo e não à raça humana – infantes, quando nascem, estão no estado em que Adão estava antes do seu erro – que a raça humana não morre por causa da morte de Adão e do seu erro e nem ressuscitará em virtude da ressurreição de Cristo – tanto a lei quanto o Evangelho admitem os homens no reino dos céus – mesmo antes do advento de nosso Senhor, houve homens impecáveis, isto é, homens sem pecado – que o homem pode estar sem pecado e pode facilmente manter os comandos divinos se assim o desejar”. O Sínodo de Cartago excomungou Celestius.
De Jerusalém, Pelágio escreveu uma carta lisonjeira a Agostinho. Este respondeu com uma carta cortês, mas cautelosa. Agostinho ainda estava se recuperando da pressão da controvérsia donatista e sabia pouco sobre a controvérsia que estava se formando em Cartago com Celestius. Agostinho recebeu notícias de Jerusalém de que o ensino de Pelágio estava causando um tumulto por lá. Osório, um amigo e discípulo de Agostinho, solicitou uma sindicância contra Pelágio em 415, mas Pelágio foi exonerado. O terceiro conselho ecumênico em Éfeso (431 d.C.), realizado um ano após a morte de Agostinho, condenou o pelagianismo.
A questão entre Pelágio e Agostinho era clara. Não estava ofuscada por argumentos teológicos intrincados. O problema reside entre a questão da graça e da natureza. A resolução pelagiana do paradoxo da graça foi baseada numa definição de graça fundamentalmente diferente da definição Agostiniana, e foi aí que o debate apertou. Espalhou-se que Pelágio estava ‘contestando a graça de Deus’. Seu tratado sobre a graça dava a impressão de concentrar-se ‘apenas no tópico da faculdade e capacidade da natureza, enquanto fez com que a graça de Deus consistisse quase que inteiramente disso’. Nesse livro, parecia que ‘com cada argumento possível, ele defendia a natureza do homem contra a graça de Deus, pela qual o ímpio é justificado e pela qual nós somos cristãos’.
Para Pelágio, a graça não é algo diferente ou além da natureza, nem acima dela; a graça está presente dentro da própria natureza. Em outras palavras, a graça é simplesmente a capacidade natural, que todos possuem, de fazer a coisa certa, de obedecer aos mandamentos e assim obter a salvação. Agostinho, por outro lado, vê um grande abismo entre a natureza, em seu estado caído, e a graça. Profundamente cônscio da impotência total de sua própria vontade em escolher corretamente. Para Pelágio, a natureza não requer graça a fim de cumprir suas obrigações. O livre-arbítrio, adequadamente exercido, produz virtude, que é o bem supremo e devidamente seguido pela recompensa. Por meio do seu próprio esforço, o homem pode alcançar tudo o que se requer dele na moralidade e na religião.
O Poder da Natureza.
A doutrina da graça de Pelágio é meramente o outro lado da sua doutrina do pecado. Por todo o seu pensamento, permanece a afirmação fundamental da inconversibilidade da natureza humana. Tendo sido criada boa, ela sempre permanece boa. Pelagio dizia que o homem podia viver sem pecado não contando com a graça de Deus, mas com o poder da natureza. Mas Agostinho, disse que o homem só pode viver assim só com a graça de Deus por Jesus Cristo.
A discussão levou a discutir sobre a natureza – não pecar e poder não pecar. Pelagio argumenta que não pecar, o não pecar depende de nós. Mas Agostinho negou esta posição dizendo que a não pecar não pode depender à eficácia da natureza. Para ele, a natureza apresenta-se tão decaída, que não reconhecê-lo é o maior pecado. Agostinho continua afirmar que a eficácia da natureza é ineficiente para a vida sem pecado. E que a possibilidade de não pecar não está entranhada na natureza. (Cf. Paulo, Rm. 7,15-18). Rebatendo a questão, Pelagio insista que a natureza humana é inseparável a possibilidade de não pecar. Indireto, Pelagio fala de Deus por que Deus é o autor da natureza. Agostinho responde dizendo que não há por que presumir tanto a possibilidade da natureza. Ela foi ferida, ofendida, abalada e arruinada; por isso, necessita de sincero reconhecimento, e não de defesa destorcida. Procure-se a graça de Deus, não a da criação, mas a da redenção, considerada por Pelagio como desnecessária.
A discussão teológica entre Pelagio e Agostinho envolvia o modo como Deus opera a sua graça. Agostinho, coerentemente com sua primeira afirmação, ou seja, de que todo ser humano é escravo do seu pecado e que o seu livre arbítrio possui uma fonte pecaminosa, morta espiritualmente, afirmava que o homem carece absolutamente da ação graciosa de Deus em todos os seus aspectos para ser salvo, sendo exposta essa posição na doutrina da predestinação. Pelágio, refutando Agostinho, afirmava que o homem possuí tanto o poder volitivo para escolher ser salvo, como para desistir desta salvação. Defendia que o ser humano possui uma capacidade de decidir o seu futuro independente da graça de Deus.
A partir deste argumento podemos tirar algumas conclusões pelagianas:
• Que a natureza foi criada não apenas boa, mas incontestavelmente boa. Isso é verdade porque as coisas da natureza persistem desde o início da existência (substância) até o seu fim;
• Que a natureza humana, como tal, é inalteravelmente boa. Isto é, a essência constituinte do homem permanece boa. A natureza não pode ser alterada na sua substância; só pode ser modificada acidentalmente. O termo acidentalmente aqui não significa que algo acontece sem intenção como um resultado do infortúnio;
• É que o mal ou pecado nunca pode transformar-se em natureza. Ele define o pecado como um desejo de fazer o que a justiça proíbe, do qual somos livres para nos abstermos e, assim, podemos sempre evitá-lo pelo exercício adequado da nossa vontade. O pecado é sempre um ato e nunca uma natureza. Caso contrário, Pelágio insiste, Deus seria o autor do mal. Os atos pecaminosos nunca podem causar uma natureza pecaminosa, e o mal também não pode ser herdado. Se pudesse, então a bondade e a justiça de Deus estariam destruídas;
• Que o pecado existe como o resultado das armadilhas de Satanás e da concupiscência sensual. Essas tentações ao pecado podem ser superadas pelo exercício da virtude. Nem a lascívia ou a concupiscência surgem da essência do homem, mas é “extrínseca” a ela. Essa concupiscência não é, em si mesma, má, porque até mesmo Cristo estava sujeito a ela. Isso dá origem à formulação histórica com reação à concupiscência: ela é do pecado e inclina ao pecado, mas não é, em si mesma, pecado;
• Que o hábito de pecar enfraquece a vontade. Esse enfraquecimento, no entanto, deve ser entendido no sentido acidental. O costume de pecar obscurece o nosso pensamento e nos conduz aos maus hábitos. Mas esses hábitos descrevem uma prática, não algo que realmente “habita a vontade”. A vontade não é enfraquecida; ela não passa por uma mudança constituinte. Ela ainda retém a postura da indiferença sempre que uma decisão ética ou moral precisa ser tomada;
• E que a graça facilita a bondade. A graça de Deus faz com que seja mais fácil para nós sermos justos. Ela nos assiste em nossa busca da perfeição. Mas o ponto crucial de Pelágio é que, embora a graça facilite a justiça, ela não é, de forma alguma, essencial para que alcancemos essa justiça. O homem pode e deveria ser bom sem a ajuda da graça.
Conclusões do Pensamento do Pelágio.
1. Os mais altos atributos de Deus são sua retidão e justiça.
2. Tudo o que Deus criou é bom.
3. Como algo criado, a natureza não pode ser mudada na sua essência.
4. A natureza humana é inalteravelmente boa.
5. O mal é um ato que nós podemos evitar.
6. O pecado vem via armadilhas satânicas e concupiscência sensual.
7. Pode haver homens sem pecado.
8. Adão foi criado com livre-arbítrio e santidade natural.
9. Adão pecou por livre vontade.
10. A descendência de Adão não herdou dele a morte natural.
11. Nem o pecado de Adão nem sua culpa foram transmitidos.
12. Todos os homens são criados como Adão era antes da queda.
13. O hábito de pecar enfraquece a vontade.
14. A graça da criação produz homens perfeitos.
15. A graça da lei de Deus ilumina e instrui.
16. Cristo trabalha principalmente pelo seu exemplo.
17. A graça é dada de acordo com a justiça e mérito.
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