ECUMENISMO e Diálogo Inter-Religioso e o Problema das Seitas numa Entrevista com Padre Stephen Erastus Murungi*
INTRODUÇÃO.
O Ecumenismo, classicamente pensado é o movimento pela unidade das religiões cristãs, e o Dialogo Inter-religioso é o movimento visando à unidade das religiões cristãs com as outras religiões da humanidade. O dialogo inter-religioso tem o significado de ajuda na construção da nova humanidade, abrindo caminhos inéditos para o testemunho cristão, e promovendo a liberdade e a dignidade dos povos, estimulando a colaboração para o bem comum, ajudando a superar a violência motivada por atitudes religiosas fundamentalistas, educando os cidadãos para a paz e a convivência. (DA 239).
O ecumenismo propõe aos cristãos de instituições eclesiais diferentes buscar a unidade por outro caminho, a partir de outra concepção da igreja de Jesus cristo e com métodos diferentes. O movimento ecumênico empenhou-se até hoje em promover duas ações básicas: despertar a consciência dos cristãos sobre a urgência de recompor a unidade do povo cristão e buscar caminhos novos que levem as comunidades divididas à reconciliação.
A nossa entrevista tem a originalidade de apresentar, dentro de realidade africana, a realidade queniana na qual pertecemos, sobre o ecumenismo situando-nos no contexto da realidade religiosa e apontando posicionamentos relevantes, limites e desafios. Por limitação de distancia, aproveitamos a presença do nosso entrevistado no conselho regional dos missionários da Consolata. E para facilitar a nossa entrevista, escolhemos fazer algumas perguntas por escrita para o nosso entrevistado, que em resposta, decidiu fazer uma audiência oral no dia 20 de Outubro de 2009 às 15 horas na Casa Regional dos Missionários da Consolata, Jardim São Bento, São Paulo.
ENTREVISTA.
Existem em África possibilidades reais de diálogo inter-religioso? A possibilidade concreta de diálogo inter-religioso precisa de ser contextualizada tendo como pano de fundo a história da África, a partir do Sínodo de 1994: uma história caracterizada pela proliferação de sangrentos conflitos. Penso que terá sido precisamente isso a sugerir a escolha de centrar os trabalhos deste Sínodo nas questões de reconciliação, justiça e paz. Parece-me que é precisamente nesta opção que reside a possibilidade concreta de um diálogo inter-religioso, sobretudo na perspectiva do que João Paulo II chamava “diálogo da vida”. É um diálogo em que se testemunham reciprocamente os próprios valores espirituais e humanos, sustentando-se as pessoas mutuamente para os viver e assim edificar uma sociedade mais justa e fraterna (cfr.RMi 57). É claro que, se considerarmos reconciliação, justiça e paz, vemos que implicam um empenho partilhado e, neste sentido, parece-me que constituem âmbitos específicos de concretização do diálogo inter-religioso que, evidentemente, os bispos consideram possível para a África.
Quais são as religiões com as quais o cristianismo tem melhores relações, em África? É difícil dar indicações precisas a esse respeito, porque objetivamente a situação é muito variada. Basta pensar no mapa geográfico da África, com os países do norte do continente e os da África sub-sahara ou da África do Sul. Olhando para este mapa, do ponto de vista religioso, é claro que a presença dos cristãos em geral (e dos católicos em particular) varia nas diversas zonas do continente, assim como varia também a presença das outras tradições religiosas. Depois, há também que tomar em consideração que, na qualidade da relação com as outras religiões, incidem também outros fatores. Estou a pensar, por exemplo, nas diferentes legislações de cada país, nesta matéria. Devemos também tomar em consideração a própria história da evangelização: a África foi evangelizada em diversas fases, com diferentes métodos e metodologias. Atualmente, no que diz respeito a esta rede de relações do cristianismo, ou melhor, do catolicismo, com as outras religiões, existem outros dois fatores que podem tornar mais problemática a relação entre as várias tradições religiosas.
O primeiro fator é a difusão do radicalismo islâmico. Também aqui basta controlar um mapa: é inegável que este radicalismo se está a difundir-se no Corno de África, mas também na Nigéria, Sudão, Costa do Marfim, Guiné-Conakri, Níger, Mali, Togo, entre outros. Esta difusão torna possível a constituição de redes terroristas.
Um segundo fator é a difusão das seitas que muito dificilmente se podem definir “cristãs”: se o são, são no apenas como uma capa exterior. São seitas que se apresentam com uma oferta de bem-estar, naturalmente a alcançar mediante uma compensação, um bem-estar proposto aqui e agora.
Seria possível traçar brevemente um mapa do continente africano indicando as áreas geográficas em que se manifestam mais tensões ligadas à diversidade religiosa? Seria bastante difícil, porque os conflitos que ensangüentam a África têm diversas chaves de leitura: há casos de conflitos étnicos, clãs, tribalismo, senhores da guerra e, atualmente, também episódios de terrorismo. Portanto, é uma tarefa complexa identificar as causas; embora se pense que hoje em dia existe um fator – que, aliás, não é novo, senão nas formas – que é o das novas presenças coloniais. A África é rica de matérias primas que sustentam o desenvolvimento econômico de outros países como os Estados Unidos e a Europa e que são muito apetecíveis para as novas nações emergentes como a Índia e a China. Se quiséssemos analisar, por exemplo, a guerra na zona dos Grandes Lagos, encontrar-nos-íamos perante uma série de conflitos que são emblemáticos desta complexidade.
E então acontece por vezes que episódios de conflito violento, na aparência de caráter religioso, se verifiquem em contextos caracterizados por complexidades etno-tribais e pela presença de “confrarias” religiosos com interesses locais (estou a pensar no Sudão, mas também na questão do Darfur). Assim sendo, como individuar as áreas geográficas do continente africano em que se manifestam maiores tensões ligadas à diversidade de credos? Penso que há, em síntese, um indicador muito claro: as áreas onde mais facilmente surgem estas tensões são aquelas onde maior é o subdesenvolvimento, em contraste com riquezas naturais que não são utilizadas para o desenvolvimento interno. Esta situação de terrível subdesenvolvimento comporta uma maior possibilidade de penetração das seitas e dos movimentos fundamentalistas.
Existem na África casos positivos de relação entre cristianismo e Islã? Quando se fala das relações com o Islã, há que precisar que não é um mundo monolítico, mas sim complexo, um mundo que atualmente passa, no seu interior, por não fáceis dinâmicas de transformação. Portanto, há que compreender as relações com o Islã, no quadro do seu dinamismo atual, que apresenta também as marcas da intolerância religiosa. Depois, há que não esquecer também o variegado impacto político do Islã, que tantas vezes torna difícil o diálogo. Apesar de tudo, existem muitas experiências positivas, em que se verifica o chamado “diálogo da vida”. São experiências ligadas, por exemplo, ao âmbito caritativo e social.
Um exemplo interessante é o da “Rádio Sol Mansi”, da Guiné Bissau, em que se verifica uma colaboração concreta, quotidiana, de cristãos e muçulmanos, portando uma concretização do “diálogo de vida”. Observando a programação desta Rádio [católica], vê-se que existem programas tanto para os muçulmanos, como também para os evangélicos. E há também intervenções conjuntas de formação sobre temas da atualidade, por exemplo, a luta à sida, a promoção da mulher, a educação alimentar, o diálogo entre diferentes crenças.
E no diálogo ecumênico entre as Igrejas cristãs, em que ponto se está, na África? O diálogo ecumênico – na África como noutras partes do mundo – avança atualmente mais na linha do “diálogo de vida”, embora não faltem também casos de empenho em nível do pensamento Há luzes e sombras a marcar o inegável caminho já percorrido, que, positivamente, encontra uma expressão concreta em experiências partilhadas de oração: por exemplo, na celebração da Semana da Unidade dos Cristãos, mas também experiências de estudo. Significativa é a tradução da Bíblia nas línguas locais em colaboração com a Aliança bíblica, mas penso também nas experiências partilhadas de empenho caritativo e social.
Trata-se de um caminho a potenciar, porque há evidentemente sombras, superando obstáculos como certa desconfiança, rivalidade entre grupos, falta de tolerância e incompreensão recíproca. As raízes destes obstáculos encontram-se certamente na história anterior das relações entre as diversas comunidades cristãs, mas também, por outro lado, na freqüente falta de conhecimento da própria identidade e, sobretudo, da identidade dos outros. Portanto, as Igrejas e as comunidades eclesiais envolvidas no diálogo ecumênico na África hoje em dia enfrentam também os desafios que derivam da multiplicação descontrolada das seitas, que geram evidentes fenômenos de “transumância” religiosa. Trata-se de fenômenos que não se podem explicar apenas com a agressividade das seitas. À luz de tudo isto, creio que também na África, para prosseguir o diálogo ecumênico, se exige hoje mais do que nunca uma apropriada formação cristã.
Enfrentemos o tema das religiões tradicionais africanas: é possível conciliá-las com o cristianismo? E de que modo? Se “conciliar” significa criar uma religião “sincretista”, então essa conciliação não é possível, porque o cristianismo tem uma sua especificidade irredutível, que não é conciliável com outras experiências religiosas (penso no mistério salvífico Cristológico - Jesus Cristo plena realização da salvação e das promessas divinas). Mas se “conciliar” significa apenas reconhecer nas religiões tradicionais a presença de aspectos positivos – e, portanto salvíficos (os que, com categorias tradicionais, se chamam as “sementes do Verbo”) – tal conciliação é possível. Mestre, neste sentido, é o Concílio Vaticano II, que marca um momento de abertura ao mundo das outras tradições religiosas.
O Concílio adota uma linguagem positiva para falar da relação da Igreja com as diversas religiões, pondo em realce elementos comuns que podem favorecer um diálogo recíproco. As religiões tradicionais africanas constituem um húmus sócio-cultural de referência, também para os que já são cristãos, e, portanto também por isso impõe-se como necessário um discernimento que ponha em evidência os seus elementos positivos e negativos. Por outro lado, não há dúvida que a atenção às culturas tradicionais pode favorecer os processos de inculturação e de contextualização do cristianismo, desde que se recorde, porém que não há que mitizar as culturas tradicionais. Estas não existem em estado “puro”, até porque ao longo dos tempos sofreram modificações causadas, por exemplo, pelo encontro com outros universos culturais.
À luz de tudo o que se disse, pode-se considerar a África “um continente de esperança”? A África é mais do que um continente de esperança: é um continente onde já se vive uma transformação, por muito difícil que a consideremos. É um continente ferido, mas que, ainda assim, caminha. Nós, aqui no Ocidente, precisaríamos porventura de aprender a olhar para a África com estas “lentes”. A África não é só o continente da sida. É também a África do cinema, da literatura, e de tanta bela gente.
CONCLUSAO.
No final desta entrevista, sentimos que a fé nos garante a certeza sobre a realização da unidade crista. O nosso entrevistado fez nos entender que na áfrica, salvo as diferenças nos princípios, nos métodos e nos objetivos, ‘ecumenismo’ e ‘dialogo religioso’, por vezes se entrecruzam – principalmente quando se fortalece o ‘ecumenismo pratico’, ou ecumenismo na base, quando se prioriza a ação social como o principal testemunho da fé em um Deus criador e salvador, mais que o acordo doutrinal.
Onde o espírito da doutrina muitas vezes divide um coração realmente convertido para a fé no único e verdadeiro deus é fator de aproximação até mesmo com aqueles considerados mais distantes dos princípios do ecumenismo. Sustentado pelo Espírito da Verdade, o povo vive em seu conjunto e no corpo a corpo Ecumênico e Inter-religioso o senso da fé. (LG 12a)
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